sábado, janeiro 13, 2007

Howe


A primeira vez que um disco dos Giant Sand me aterrou no colo... tive medo. Sabia que eram uma sumidade no terreno algo difuso do 'alt-country' e sabia que, muitas vezes, demasiadas vezes, isso equivalia a um valente bocejo. Na altura, pensei que corria o risco de conspurcar os meus ouvidos com familiares pouco recomendáveis dos Wilco ou dos Wîllard Grant Conspiracy. E, pelo sim pelo não, receoso de um possível contágio, enfiei o disco dentro de uma gaveta e tapei-o com outros, na esperança de que a culpabilidade de não ouvir um nome 'essencial' só fosse accionada por contacto visual.

Passaram-se, dias, meses, anos... Passou-se, enfim, talvez, quem sabe, provavelmente uma semana. No intervalo entre outros dois discos, com uns minutos que me dava ao luxo de poder desperdiçar, deixei-me arrastar pela curiodade de um dueto com a sempre venerável Juliana Hatfield. Mas nem foi preciso chegar ao tema com a rapariga para perceber que o meu mundo musical tinha sofrido mais um pequeno abalo. Não o suficiente para cair da cadeira, mas na dose certa para o disco ser devorado uma e outra vez. Uma e outra vez...

Estiveram, depois, os Giant Sand para vir a Portugal, na primeira parte de um concerto de PJ Harvey no Coliseu dos Recreios. O sobreaquecimento das cordas vocais da senhora impediu que o concerto acontecesse. Problemas de escape, aparentemente.

Só muito mais tarde pude assistir a um concerto do vocalista do grupo, Howe Gelb, figura que passou a ocupar um dos lugares do meu pódio caseiro. Foi no Musicais e foi uma das experiências musicais mais intensas da minha vida. Muito pela música, portadora de uma aridez desértica (que é cliché escrever mas que não é cliché alcançar e que faz pendant com o Alentejo) capaz de deixar os olhos de um homem maduro em estado de manhã de nevoeiro, muito pela espontaneidade de cada canção, de quem já tem idade para saber que a verdadeira música e a 'do momento', a que o instinto ordena. Ao piano, à guitarra, Gelb apenas era acompanhado por um discman de pilhas cansadas.

Essa arte do 'despreparo', do nunca deixar que as canções adquiram uma forma final, de não as deixar asfixiadas pela tentativa de perfeição, tornaram-se regras demasiado evidentes para mim. Abriram-me os olhos para aquilo que mais me seduz na música e na relação com a guitarra (principalmente em concerto): o poder mergulhar na vertigem e ser sugado para um transe que se alimenta da proximidade do erro. Nada excita mais do que passar fugazmente pelo erro. Persistir não. Mas beliscá-lo e provocá-lo é coisa que admite poucas comparações.

Gonçalo

PS: Howe Gelb toca a 30 de Janeiro no Santiago Alquimista (Lisboa) e 31 de Janeiro no Theatro Circo (Braga). Eu vou estar. E você?

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